segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A DEMOCRACIA E ALGUNS DE SEUS PRINCÍPIOS BÁSICOS

 
 
A intolerância é em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático”.(Mahatma Gandhi)
 
DEMOCRACIA
Definição
Democracia vem da palavra grega “demos” que significa povo. Nas democracias, é o povo quem detém o poder soberano sobre o poder legislativo e o executivo.
 
Diferenças existentes nas várias democracias
Embora existam pequenas diferenças nas várias democracias, certos princípios e práticas distinguem o governo democrático de outras formas de governo.
 
Características básicas
Democracia é o governo no qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todos os cidadãos, diretamente ou através dos seus representantes livremente eleitos.

Democracia é um conjunto de princípios e práticas que protegem a liberdade humana; é a institucionalização da liberdade.

A democracia baseia-se nos princípios do governo da maioria associados aos direitos individuais e das minorias.
 
Todas as democracias, embora respeitem a vontade da maioria, protegem escrupulosamente os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias.

As democracias protegem de governos centrais muito poderosos e fazem a descentralização do governo a nível regional e local, entendendo que o governo local deve ser tão acessível e receptivo às pessoas quanto possível.

As democracias entendem que uma das suas principais funções é proteger direitos humanos fundamentais como a liberdade de expressão e de religião; o direito a proteção legal igual; e a oportunidade de organizar e participar plenamente na vida política, econômica e cultural da sociedade.

As democracias conduzem regularmente eleições livres e justas, abertas a todos os cidadãos. As eleições numa democracia não podem ser fachadas atrás das quais se escondem ditadores ou um partido único, mas verdadeiras competições pelo apoio do povo.

A democracia sujeita os governos ao Estado de Direito e assegura que todos os cidadãos recebam a mesma proteção legal e que os seus direitos sejam protegidos pelo sistema judiciário.

As democracias são diversificadas, refletindo a vida política, social e cultural de cada país. As democracias baseiam-se em princípios fundamentais e não em práticas uniformes.

Os cidadãos numa democracia não têm apenas direitos, têm o dever de participar no sistema político que, por seu lado, protege os seus direitos e as suas liberdades.

As sociedades democráticas estão empenhadas nos valores da tolerância, da cooperação e do compromisso.
 
As democracias reconhecem que chegar a um consenso requer compromisso e que isto nem sempre é realizável.
 
ALGUNS PRINCÍPIOS
 
São vários os princípios da democracia segundo alguns estudiosos, no entanto destaco como básicos para o presente momento os seguintes.
 
 RESPONSABILIDADE DO CIDADÃO
 
Ao contrário da ditadura, um governo democrático existe para servir o povo, mas os cidadãos nas democracias também devem concordar em seguir as regras e os deveres pelos quais se regem.
 
As democracias garantem muitas liberdades aos seus cidadãos incluindo a liberdade de discordar e de criticar o governo.

A cidadania numa democracia exige participação, civismo e mesmo paciência.

Os cidadãos democráticos reconhecem que não têm apenas direitos, têm também deveres.
 
Reconhecem que a democracia requer investimento de tempo e muito trabalho — um governo do povo exige vigilância constante e apoio do povo.

Em alguns governos democráticos, a participação cívica significa que os cidadãos devem ser membros do júri, ou cumprir o serviço militar ou cívico obrigatório durante um certo tempo.
 
Outros deveres aplicam-se a todas as democracias e são da responsabilidade exclusiva do cidadão — o principal dos quais é o respeito pela lei. Pagar os seus impostos, aceitar a autoridade do governo eleito e respeitar os direitos dos que têm pontos de vista diferentes são também exemplos dos deveres do cidadão.

Os cidadãos democráticos sabem que devem ser responsáveis por sua sociedade para poderem se beneficiar da proteção dos seus direitos.

Há um ditado nas sociedades livres: cada povo tem o governo que merece. Para que a democracia seja bem sucedida os cidadãos têm que ser ativos, não passivos, porque sabem que o sucesso ou o fracasso do governo é responsabilidade sua e de mais ninguém.
 
Por seu lado, o governo entende que todos os cidadãos devem ser tratados de modo igual e que não há lugar para a corrupção num governo democrático.

Num sistema democrático as pessoas que não estão satisfeitas com os seus líderes são livres para se organizarem e apoiarem pacificamente a mudança — ou tentar votar contra esses líderes em novas eleições no período próprio.

As democracias precisam de mais do que o voto ocasional dos seus cidadãos para permanecerem saudáveis. Precisam de atenção contínua, tempo e dedicação de muitos dos seus cidadãos que, por seu lado, olham para o governo para proteger os seus direitos e liberdades.

Os cidadãos numa democracia podem aderir a partidos políticos e fazer campanha pelos candidatos que preferirem. Aceitam o facto de que o seu partido pode não estar sempre no poder.

São livres para se candidatarem ou servirem como dirigentes públicos nomeados durante algum tempo.

Utilizam uma imprensa livre para falar com franqueza sobre questões locais e nacionais.

Aderem a sindicatos, grupo comunitários e associações empresariais.

Fazem parte de organizações voluntárias privadas — que se dedicam à religião, cultura étnica, estudos, desportos, artes, literatura, melhoramento do bairro, intercâmbio internacional de estudantes ou centenas de outras atividades.

Todos estes grupos — independentemente da sua proximidade com o governo — contribuem para a riqueza e a saúde da democracia.
 
ESTADO DE DIREITO

Durante grande parte da história da humanidade, governante e lei foram sinônimos — a lei era simplesmente a vontade do governante.
 
Um primeiro passo para se afastar dessa tirania foi o conceito de governar segundo a lei, incluindo a idéia de que até o governante está abaixo da lei e deve governar através dos meios legais. As democracias foram mais longe criando o Estado de Direito.
 
Embora nenhuma sociedade ou sistema de governo esteja livre de problemas, o Estado de Direito protege os direitos fundamentais, políticos, sociais e econômicos e nos lembra que a tirania e a ilegalidade não são as únicas alternativas.

Estado de Direito significa que nenhum indivíduo, presidente ou cidadão comum, está acima da lei. Os governos democráticos exercem a autoridade por meio da lei e estão eles próprios sujeitos aos constrangimentos impostos pela lei.

As leis devem expressar a vontade do povo, não os caprichos de reis, ditadores, militares, líderes religiosos ou partidos políticos auto-nomeados.

Os cidadãos nas democracias estão dispostos a obedecer às leis da sua sociedade, então, porque estas são as suas próprias regras e regulamentos. A justiça é melhor alcançada quando as leis são criadas pelas próprias pessoas que devem obedecê-las.

No Estado de Direito, um sistema de tribunais fortes e independentes deve ter o poder e a autoridade, os recursos e o prestígio para responsabilizar membros do governo e altos funcionários perante as leis e os regulamentos da nação.

Por esta razão, os juízes devem ter uma formação sólida, ser profissionais, independentes e imparciais. Para cumprirem o papel necessário no sistema legal e no político, os juízes devem estar empenhados nos princípios da democracia.

As leis da democracia podem ter muitas origens: constituições escritas; estatutos e regulamentos; ensinamentos religiosos e étnicos e tradições e práticas culturais. Independentemente da origem, a lei deve preservar certas cláusulas para proteger os direitos e liberdades dos cidadãos:
 
◦ No âmbito do requisito de proteção igual pela lei, a lei não pode ser aplicável unicamente a um indivíduo ou grupo;
◦ Os cidadãos devem estar protegidos da prisão arbitrária, da busca sem razão em suas casas ou da apreensão de seus bens pessoais;
◦ Os cidadãos acusados de crime têm direito a um julgamento rápido e público, bem como à oportunidade de confrontar e questionar seus acusadores. Se forem condenados, não podem ser sujeitos a castigo cruel ou excepcional;
◦ Os cidadãos não podem ser forçados a testemunhar contra si mesmos. Este princípio protege os cidadãos da coerção, do abuso ou da tortura e reduz enormemente a tentação da polícia de empregar tais medidas.
 
LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A liberdade de expressão, sobretudo sobre política e questões públicas é o suporte vital de qualquer democracia.
 
Os governos democráticos não controlam o conteúdo da maior parte dos discursos escritos ou verbais. Assim, geralmente as democracias têm muitas vozes exprimindo idéias e opiniões diferentes e até contrárias.

Segundo os teóricos da democracia, um debate livre e aberto resulta geralmente que seja considerada a melhor opção e tem mais probabilidades de evitar erros graves.

A democracia depende de uma sociedade civil educada e bem informada cujo acesso à informação lhe permite participar tão plenamente quanto possível na vida pública da sua sociedade e criticar funcionários do governo ou políticas insensatas e tirânicas.
 
Os cidadãos e os seus representantes eleitos reconhecem que a democracia depende de acesso mais amplo possível a idéias, dados e opiniões não sujeitos a censura.

Para um povo livre governar a si mesmo, deve ser livre para se exprimir — aberta, pública e repetidamente; de forma oral ou escrita.

O princípio da liberdade de expressão deve ser protegido pela constituição de uma democracia, impedindo os ramos legislativo e executivo do governo de impor a censura.

A proteção da liberdade de expressão é um direito chamado negativo, exigindo simplesmente que o governo se abstenha de limitar a expressão, contrariamente à ação direta necessária para os chamados direitos afirmativos.
 
Na sua maioria, as autoridades em uma democracia não se envolvem no conteúdo do discurso escrito ou falado na sociedade.

Os protestos servem para testar qualquer democracia — assim o direito a reunião pacífica é essencial e desempenha um papel fundamental na facilitação do uso da liberdade de expressão. Uma sociedade civil permite o debate vigoroso entre os que estão em profundo desacordo.

A liberdade de expressão é um direito fundamental, mas não é absoluto, e não pode ser usado para justificar a violência, a difamação, a calúnia, a subversão ou a obscenidade.
 
As democracias consolidadas geralmente requerem um alto grau de ameaça para justificar a proibição da liberdade de expressão que possa incitar à violência, a caluniar a reputação de outros, a derrubar um governo constitucional ou a promover um comportamento licencioso.
 
A maioria das democracias também proíbe a expressão que incita ao ódio racial ou étnico.

O desafio para uma democracia é o equilíbrio: defender a liberdade de expressão e de reunião e ao mesmo tempo impedir o discurso que incita à violência, à intimidação ou à subversão.
 
 


 
 

SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA EDUCATIVA


Aqui vai um resumo do Primeiro Capítulo do Livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, de Paulo Freire.
 
Todo texto na verdade é uma cópia daquilo que achei mais importante no capítulo citado. Resultado do de uma leitura do livro e das fichas de leituras com corte.

Minha esperança é que esse resumo ajude alguns professores e ver a necessidade do desenvolvimento de algumas práticas que serão com certeza de grande utilidade para aqueles que estão em sala de aula.

Portanto, vejamos:
"Não há docência sem deiscência"

A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blablablá e a prática, ativismo.
 
O que me interessa agora, repito, é alinhar e discutir alguns saberes fundamentais à prática educativo-crítica ou progressista e que, por isso mesmo, devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação docente. Conteúdos cuja compreensão, tão clara e tão lúcida quanto possível, deve ser elaborada na prática formadora. É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.
 
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo-relativo. Verbo que pede um objeto direto – alguma coisa – e um objeto indireto – a alguém. Do ponto de vista democrático em que me situo, mas também do ponto de vista da radicalidade metafísica em que me coloco e de que decorre minha compreensão do homem e da mulher como seres históricos e inacabados e sobre que se funda a minha inteligência do processo de conhecer, ensinar é algo mais que um verbo transitivo-relativo.
 
Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar.
 
Foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar. Aprender precedeu ensinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na experiência realmente fundante de aprender. Não temo dizer que inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que não foi apreendido não pode ser realmente aprendido pelo aprendiz.
 
Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.
 
O que quero dizer é o seguinte: quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto mais se constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”**, sem a qual não alcançamos o conhecimento cabal do objeto.
 
1.1 – Ensinar exige rigorosidade metódica
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis.
 
É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes.
 
Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo.
 
Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
 
O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto, temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória – não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. É como se os livros todos a cuja leitura dedica tempo farto nada devessem ter com a realidade de seu mundo. A realidade com que eles têm que ver é a realidade idealizada de uma escola que vai virando cada vez mais um dado aí, desconectado do concreto.
 
Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo.
 
O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo.
 
Ensinar, aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente. A "do-discência” – docência-discência – e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por estes momentos do ciclo gnosiológico.
 
1.2 – Ensinar exige pesquisa
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.
 
Pensar certo, em termos críticos, é uma exigência que os momentos do ciclo gnosiológico vão pondo à curiosidade que, tornando-se mais e mais metodicamente rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho chamando “curiosidade epistemológica”.
 
1.3 – Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos
Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? Esta pergunta é considerada em si demagógica e reveladora da má vontade de quem a faz. É pergunta de subversivo, dizem certos defensores da democracia.
 
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferí-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.

1.4 – Ensinar exige criticidade
Não há para mim, na diferença e na “distância” entre a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura experiência feito e o que resulta dos procedimentos metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação. A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza.
 
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.
 
1.5 – Ensinar exige estética e ética
Uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados, às vezes ou quase  sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos colocar. Muheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser.
 
Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens é uma transgressão.
 
É por isso que transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador.
 
Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar.
 
Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado. De testemunhar aos alunos, às vezes com ares de quem possui a verdade, rotundo desacerto. Pensar certo, pelo contrário, demanda profundidade e não superficialidade compreensão e na interpretação dos fatos.
 
1.6 – Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo
O professor que realmente ensina, quer dizer, que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade
do pensar certo, nega, como falsa, a fórmula farisaica do “faça o que mando e não o que eu faço”.
 
Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo.
 
Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo perguntar ao aluno se “sabecom quem está falando”.
 
O clima de quem pensa certo é o de quem busca seria-mente a segurança na argumentação, é o de quem, discordando do seu oponente não tem por que contra ele ou contra ela nutrir uma raiva desmedida, bem maior, às vezes, do que a razão mesma da discordância.
 
Faz parte do pensar certo o gosto da generosidade que, não negando a quem o tem o direito à raiva, a distingue da raivosidade irrefreada.
 
1.7 – Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico.
 
O velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo.
 
Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação.
 
A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia. Quão longe dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos que assassinam camponeses que lutam por seus direitos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam as mulheres. Quão ausentes da democracia se acham os que queimam igrejas de negros porque, certamente, negros não têm alma. Negros não rezam.
 
Com sua negritude, os negros sujam a branquitude das orações... A mim me dá pena e não raiva, quando vejo a arrogância com que a branquitude de sociedades em que se faz isso, em que se queimam igrejas de negros, se apresenta ao mundo como pedagoga da democracia. Pensar e fazer errado, pelo visto, não têm mesmo nada que ver com a humildade que o pensar certo exige. Não têm nada que ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita as nossas caminhadas até o ridículo e a insensatez.
 
A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, do¿r ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a intelegibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há intelegibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico.
 
1.8 – Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática
O pensar certo sabe, por exemplo, que não é a partir dele como um dado dado, que se conforma a prática docente crítica, mas sabe também que sem ele não se funda aquela. A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
 
Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador. E preciso, por outro lado, reinsistir em que a matriz do pensar ingênuo como a do crítico é a curiosidade mesma, característica do fenômeno vital. Neste sentido, indubitavelmente, é tão curioso o professor chamado leigo no interior de Pernambuco quanto o professor de Filosofia da Educação na Universidade A ou B.
 
Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.
 
1.9 – Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural
É interessante estender mais um pouco a reflexão sobre a assunção. O verbo assumir é um verbo transitivo e que pode ter como objeto o próprio sujeito que assim se assume. Eu tanto assumo o risco que corro ao fumar quanto me assumo enquanto sujeito da própria assunção.
 
Outro sentido mais radical tem a assunção ou assumir quando digo: Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se.
 
Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade" do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu.
 
A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós por nós mesmos. É isto que o puro treinamento do professor não faz, perdendo-se e perdendo-o na estreita e pragmática visão do processo.
 
Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação.
 
Conhecer não é, de fato, adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir. O importante, não resta dúvida, é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições, mas submetê-las à análise metodicamente rigorosa de nossa curiosidade epistemológica.