quarta-feira, 2 de agosto de 2017

JOGO PATOLÓGICO - JOGO COMPULSIVO


O Transtorno de Jogo Patológico vem ganhando importância crescente, proporcional à sua prevalência que vem aumentado em diferentes países, principalmente devido à maior disponibilidade de jogos de azar. 

Além de apostas tradicionais como loterias, corridas de cavalos e jogos de carta, novos jogos têm sido introduzidos no mercado como casas de bingo, jogos eletrônicos e mesmo através da Internet.

RECONHECIMENTO DO JOGO PATOLÓGICO COMO ENFERMIDADE PSIQUIÁTRICA
Embora se saiba há muito tempo que a atitude de jogar compulsivamente é uma séria alteração do comportamento, seu caráter mórbido ou patológico só foi considerado a partir de 1980. 

Nessa época o Jogo Patológico passou a ser classificado e reconhecido como transtorno psiquiátrico através de sua inclusão na classificação da Associação Americana de Psiquiatria (DSM.III, Manual Diagnóstico Estatístico de Doenças Mentais, 3ª. Edição).  

Para esse manual de diagnóstico o Jogo Patológico pode ser definido como comportamento recorrente de apostar em jogos de azar, apesar de consequências negativas decorrentes dessa atividade. 

O indivíduo perde o domínio sobre o jogo, tornando-se incapaz de controlar o tempo e o dinheiro gasto, mesmo quando está perdendo.

Para a Organização Mundial da Saúde o Jogo Patológico passou a ser reconhecido como doença somente a partir de 1992 e, por definição, em linhas gerais, se caracteriza pela incapacidade da pessoa em controlar o hábito de jogar, a despeito de todos inconvenientes que isso possa estar proporcionando, tais como problemas financeiros, familiares, profissionais, etc.

Jogo patológico já foi classificado como comportamento compulsivo, como dependência e, atualmente, encontra-se entre os Transtornos do Controle dos Impulsos Não Classificados em Outro Local no DSM-IV, e entre os Transtornos de Hábitos e Impulsos na CID-10. 

A relativa juventude do Jogo Patológico, enquanto categoria diagnóstica operacionalmente definida, talvez explique a imprecisão em sua caracterização fenomenológica e clínica.

O JOGADOR COMPULSIVO COMPARADO AOS OUTROS TIPOS DE DEPENDÊNCIA
O jogador compulsivo pode ser comparado a um viciado em trabalho, ou em comprar compulsivamente, na obsessão pelo sexo, ou pela internet, ou em tantas outras atividades comportamentais que fogem ao controle. 

O jogador compulsivo tem reações parecidas aos alcoolistas ou dependentes químicos, tanto na sensação de prazer como no comportamento. 

Jogar, para essas pessoas, ativaria circuitos cerebrais que provocam um prazer semelhante ao das drogas, e a atitude geral do dependente do jogo, tal como nos casos de alcoolismo e drogas, acaba promovendo a exclusão de outras áreas da vida.

COMO SE INSTALA E AS VÁRIAS FASES DO JOGO PATOLÓGICO
O jogo começa com pequenas apostas, normalmente na adolescência, mais frequentemente entre os homens.

O intervalo de tempo entre começar a jogar e a perder o controle sobre o jogo varia de 1 a 20 anos, sendo mais comum num período de cinco anos, segundo alguns especialistas.

1. Fase da Vitória: 
Nessa fase a sorte inicial é vai sendo rapidamente substituída pela habilidade no jogo e as vitórias tornam-se cada vez mais excitantes. 

Aumenta a frequência com que a pessoa procura o jogo e manifesta um otimismo não-realista. Os valores das apostas vão aumentando progressivamente e a perda passa a ser mais sofrível.

2. Fase da Perda: 
Nesta fase há o aumento de tempo e dinheiro gastos com o jogo, bem como o afastamento da família. 

Começa a perder. Agora, normalmente o dinheiro ganho no jogo é utilizado para jogar mais, podendo comprometer todo salário, economias e poupanças.

3. Fase do Desespero:
A característica principal nesta fase é o aumento de tempo e dinheiro gastos com o jogo e o afastamento da família, só que de maneira mais intensa.

Surge o pânico, uma vez que o jogador percebe o tamanho de sua dívida, seu desejo de pagá-la prontamente, o isolamento de familiares e amigos, a reputação negativa que passou a ter na sua comunidade e, finalmente, um desejo nostálgico de recuperar os primeiros dias de vitória.

DIFICULDADES ENCONTRADAS PARA DIAGNÓSTICAR E TRATAR O JOGO PATOLÓGICO
Não é tão simples detectar o Jogo Patológico, e menos simples ainda será considerá-lo um transtorno (Transtorno do Controle dos Impulsos). 

Primeiro, porque o jogador ou jogadora compulsiva tende a esconder e dissimular fortemente essa dependência.

Segundo, porque ele ou ela dificilmente reconhecerá a gravidade do quadro, mesmo quando alertado pelos demais. 

Terceiro, porque a própria família subestima, dissimula ou nega o problema até o ponto onde ele se torna insustentável.

Além de tudo, como nossa sociedade está habituada a considerar dependência apenas os casos de alcoolismo ou uso de drogas, dificilmente se entenderá que o Jogo Patológico é também uma forma de dependência. Essa cegueira social se reforça diante do fato do jogador ou jogadora ser, comumente, uma pessoa psiquiatricamente normal nas demais áreas de sua atuação.

Há ainda um discurso complacente sobre o problema. É quando familiares ou mesmo o jogador ou jogadora diz que "afinal, ele(a) tem direito a um pouco de lazer, já que trabalha tanto, é bons marido (esposa), etc...".

INDÍCIOS DA EXISTÊNCIA DA DEPENDÊNCIA DO JOGO, O JOGO PATOLÓGICO 
Preocupação com jogo (preocupação com experiências passadas, especulação do resultado ou planejamento de novas apostas, pensamento de como conseguir dinheiro para jogar); 
Necessidade de aumentar o tamanho das apostas para alcançar a excitação desejada; 
Esforço repetido e sem sucesso de controlar, diminuir ou parar de jogar; 
Inquietude ou irritabilidade quando diminui ou pára de jogar; 
Jogo como forma de escapar de problemas ou para aliviar estado disfórico (sentimentos de culpa, de desamparo, ansiedade, depressão); 
Depois da perda de dinheiro no jogo, retorna frequentemente no dia seguinte para recuperar o dinheiro perdido; 
Mentir para familiares, terapeuta ou outros, a fim de esconder a extensão do envolvimento com jogo; 
Cometer atos ilegais como falsificação, fraude, roubo ou desfalque para financiar o jogo;
Ameaçar ou perder relacionamentos significativos, oportunidades de trabalho, educação ou carreira por causa do jogo; 
Contar com outros para prover dinheiro, no intuito de aliviar a situação financeira desesperadora por causa do jogo.

A PERSONALIDADE DO JOGADOR COMPULSIVO
Através de testes neuropsicológicos computadorizados e específicos, o Ambulatório do Jogo Patológico do Instituto de Psiquiatria do HC, avaliou 20 jogadores patológicos e 20 pessoas normais para tentar estabelecer uma correlação entre cérebro, comportamento, personalidade e o processamento mental do grupo dos jogadores.

De acordo com essa pesquisa, 90% dos jogadores patológicos apresenta disfunções da capacidade de planejamento, ou seja, de estabelecer e seguir metas. 

Ainda foram evidenciadas as seguintes características:
Jogadores compulsivos tendem a processar informações mais rápido ou de forma mais acelerada do que pessoas normais quando têm que tomar decisões simples; porém, em questões mais complexas, perdem velocidade e erram mais na escolha entre o certo e o errado; 
Têm tendência à liderança (ocupam posições de destaque no trabalho, são líderes em comunidades de bairro, capitães de times); 
São dinâmicos, criativos, inquietos e agitados, estão sempre em busca de novidades, têm poder de persuasão (características comuns aos profissionais de sucesso); 
São reconhecidamente perfeccionistas, severos, rígidos, metódicos, impõem regras aos filhos; 
90% do jogadores têm problemas com a justiça (apesar de reconhecida boa índole, com o avanço da doença, começam a desviar dinheiro da família e amigos, muitas vezes tornando-se golpistas e mentirosos); 
Têm QI (quociente de inteligência) acima da média normal, sendo que em 20% dos casos, ultrapassa 120 (o QI normal fica entre 90 e 110). 

Essas descobertas, aliadas a estudos em curso com ressonância magnética (objetivando melhor especificar as estruturas do cérebro com mal funcionamento), ampliam o conhecimento do perfil do jogador patológico, fundamental para a busca de tratamentos adequados e eficazes.

TRATAMENTO
Como todas as patologias emocionais que envolvem a volição (vontade), o Jogo Patológico é muito difícil de ser tratado, mas essa dificuldade não desautoriza as iniciativas de controle e tratamento. 

Todas as dependências envolvem a volição, assim como os tiques, o TOC e demais quadros considerados na categoria dos Transtornos do Espectro Impulsivo-Compulsivo.

Primeiramente, como em quase todos os tratamentos psiquiátricos (exceto no caso das psicoses), uma das premissas básicas é a pessoa reconhecer que precisa de ajuda, reconhecer que não tem mais controle sobre seu comportamento quando joga.

O paciente deve reconhecer, com muita franqueza, que não tem controle sobre sua situação econômica, que precisa contar com familiares ou amigos para cuidar de suas finanças, para poder pagar suas dívidas.

Devem ser procurados programas de tratamento específico para jogo patológico (normalmente em universidades), ou consultar periodicamente profissionais capacitados, ou ainda, frequentar reuniões de grupos de auto-ajuda como os Jogadores Anônimos.

O tratamento do Jogo Patológico envolve, como sempre, uma avaliação do paciente, podendo ser necessário o uso de medicamentos, uma vez que a depressão nesses casos é bastante comum, inclusive há alta incidência de ideação suicida.

Assim sendo, a alternativa mais viável, até o momento, é o apoio psicológico e as terapias de grupo para que as pessoas com o mal possam superar a fase de fissura pelo jogo e entender que não poderá mais voltar a uma mesa para jogar, mesmo de “brincadeira”, por conta do risco de recaída.

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