sábado, 16 de agosto de 2014

E AI? PROFESSORA OU TIA?

 
INTRODUÇÃO
“Tia, veja se a minha lição está legal?
- Me desculpe, eu sou sua professora, não sua tia. Quanto a sua lição...”
E ai? Professora ou Tia?
 
A ORIGEM
O costume de chamar a professora de “tia” vem da década de 60.
 
As mulheres, ao buscar afirmação profissional, recorriam às escolas para cuidar de seus filhos e, de certa forma, segundo relato de mães, entregar os filhos à tia e não à professora lhes aliviava a culpa. Contudo, esse tratamento dissimula a relação de autoridade.
 
A criança precisa diferenciar universos e perceber que cada espaço tem seus próprios valores, concluíram os pedagogos.
 
As escolas com método sócio construtivo começaram a rever o tratamento nos anos 70 e pensar no profissional da educação como um educador que interage com o aluno e o conhecimento, sem perder o envolvimento emocional.
 
A REALIDADE EM ALGUMAS ESCOLAS
Algumas escolas adotam e permitem o tratamento de professoras pelas crianças por “tias”, o que é um erro enorme, pois isso prejudica o desenvolvimento da maturidade dos alunos, cria um vínculo entre professora e aluno que não contribui em nada com o ensino-aprendizagem, além de fazer com que as educadoras percam a referência do nome e o seu valor da profissão.
 
As crianças, com o tempo acabam percebendo por si que professora é a pessoa que educa, ensinam brincadeiras, criar, inventar; enquanto que a tia é a irmão da mãe ou do pai.

O QUE DIZ PAULO FREIRE
Paulo Freire (1997) afirma que “a tarefa de ensinar” não deve transformar “a professora em tia de seus alunos da mesma forma como uma tia qualquer não se converte em professora de seus sobrinhos só por ser tia deles. Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco".

Ele diz mais Paulo Freire:
"...A tentativa de reduzir a professora à condição de tia é uma "inocente" armadilha ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora o que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais. Entre elas, por exemplo, a de desafiar seus alunos, desde a mais tenra e adequada idade, através de jogos, de estórias, de leituras para compreender a necessidade da coerência entre discurso e prática; um discurso sobre a defesa dos fracos, dos pobres, dos descamisados e a prática em favor dos camisados e contra os descamisados, um discurso que nega a existência das classes sociais, seus conflitos, e a prática política em favor exatamente dos poderosos.

A defesa ou a pura aceitação de que é normal aprofunda a diferença que há às vezes, entre o discurso do candidato enquanto tal e seu discurso depois de eleito. Não me parece ético viver essa contradição ou defendê-la como comportamento correto. Não é com práticas assim que ajudamos a formação de uma cidadania vigilante e indispensável ao desenvolvimento da democracia.

Finalmente a tese de Professora, sim; Tia, não, é que, enquanto tios e/ou tias e/ou professores, todos nós temos o direito ou o dever de lutar pelo direito de ser nós mesmos, de optar, de decidir, de desocultar verdades.

Professora, porém, é professora. Tia é tia. É possível ser tia sem amar os sobrinhos, sem gostar sequer de ser tia, mas não é possível ser professora sem amar os alunos - mesmo que amar, só, não baste - e sem gostar do que se faz. É mais fácil, porém, sendo professora, dizer que não gosta de ensinar, do que sendo tia, dizer que não gosta de ser tia. Reduzir a professora à tia joga um pouco com esse temor embutido - o de tia recusar ser tia.

Não é possível também ser professora sem lutar por seus direitos para que seus deveres possam ser melhor cumpridos. Mas, você que está me lendo agora, tem todo o direito de, sendo ou pretendendo ser professor (a), querer ser chamado (a) de tio (a) ou continuar a ser.

Não pode, porém, é desconhecer as implicações escondidas na manha ideológica que envolve a redução da condição de professor (a) à de tio(a)...".

(FREIRE, Paulo. “Professora sim, tia não”. São Paulo: Olho d’Água, 1997.)
 
A DISCREPANCIA
O que fazer então quando a “Tia” incorpora na sala de aula?

Paulo Freire (1997) afirma que “a tarefa de ensinar” não deve transformar “a professora em tia de seus alunos da mesma forma como uma tia qualquer não se converte em professora de seus sobrinhos só por ser tia deles. Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco”.

É muito comum nas Creches e Séries iniciais (1º. Ao 5º. Ano) alunos tratarem a Professora por “Tia”, descaracterizando mais uma vez, sua profissão, não apenas perante os alunos, mas perante aos pais, reforçando desta forma a desvalorização da profissão e todo o esforço que se fez e ainda se faz para enaltecê-la.

Além do mais, ao ser chamada de “Tia” pode criar um vínculo ilusório de parentesco que na realidade não existe. Ninguém refere-se a nenhum outro profissional como “tio ou tia”. O que me leva, mais uma vez, a discorrer sobre o malefício que isso causa quando contribui para a desvalorização da profissão de Professor.

Você já imaginou uma “Tia” conversando com a mãe de um aluno?

É óbvio que as orientações que essa “tia” passará para tal mãe, não encontrarão ouvidos receptivos, afinal porque levar em consideração o que uma “tia” fala?

Uma “tia” não tem o preparo e nem a formação para lidar com assuntos tão complexos. Uma “tia” geralmente emite apenas juízo de valor e, portanto não precisam ser acatados como orientação segura.

A TRISTE REALIDADE QUE NÃO É PERCEBIDA PELO PRÓPRIO PROFESSOR
“Triste da Nação que chama ao professor de TIO e de PROFESSOR a um treinador de futebol” – frase que li noutro dia na internet.
 
De fato, a bem da verdade, após reflexão, notei que há uma odiosa inversão de valores axiológicos ou uma desvalorização ou uma desconsideração ao mestre que educa, habilita, capacita, qualifica, instrui e forma o cidadão não só para o “amanhã”, mas para todo o tempo de sua vida.
 
Um professor DEVE auferir muito bem, mormente o vocacionado MESTRE, mas daí a comparar com carreira distinta é, no mínimo, DESCONHECER ou NEGAR seu próprio VALOR. Não? Um professor não somente trabalha suas 20 ou 40 horas semanais na sua Escola, para auferir seus suados, parcos, ínfimos e sofridos subsídios; há as horas-extras residenciais, comumente noturnas ou na madrugada, preparando seus planos de aulas, que não são computadas e NEM PAGAS, porquanto sempre trabalhadas nas folgas do mestre.
 
Um professor, para auferir um pouco a mais ou bem melhor ao que “recebe” – quase um óbolo diante do hercúleo trabalho de educador e do gigantesco processo ensino-aprendizado -, se submete aos mais variados cursos de licenciatura, formação, especialização, graduação, pós e até doutorado, além de sofrer limites de tetos e isonomias legais.

Tudo isso para ser chamado de tio ou tia? Cá pra nós, respeitando aqueles que defendem o romantismo na prática do magistério, isso deve ser revisto, professor é professor, tio e tia é tio e tia, coisas totalmente diferentes, não podendo ser colocados em pé de igualdade em nenhuma hipótese no que diz respeito a prática do magistério.

CONCLUSÃO
O livro de Paulo Freire intitulado 'Professora sim, tia não'. Que é muito conhecido entre os pedagogos com razão defende o fato de que é uma armadilha colocada ao professor, ao acostumá-lo a chamá-lo de tio/tia.
 
Deveras, Paulo Freire afirma que se trata de uma estratégia da classe dominante em não deixar os professores rebelar-se, porque tio ou tia não se rebela.
 
Os professores precisam reconhecer-se como profissionais, pois tio ou tia é uma relação de parentesco que não deve ser confundido.
 
Devemos ter respeito de nossos alunos pelo nosso trabalho e não, em nome de um falso parentesco. E sim pela estratégia e métodos com os quais apresentamos os conteúdos aos nossos alunos, sem perder, no entanto nosso jeito de ser, nosso valor e sinceridade.
 
Para ser humano e caloroso com as pessoas não precisamos nos tornar parentes de mentirinha, pois afinal de conta, mesmo isso sendo feito com sinceridade, não passa de uma enganação.

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