segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A NECESSIDADE NEURÓTICA DE AMAR

INTRODUÇÃO

O amor é uma das experiências humanas mais fundamentais, capaz de proporcionar sentido, conexão e realização pessoal. 

No entanto, quando associado à neurose, ele assume características compulsivas, tornando-se um reflexo de carências emocionais e angústias profundas. 

Em Psicologia Feminina, Karen Horney explora a complexidade do "amor neurótico", uma forma de relação em que a necessidade de ser amado se sobrepõe à capacidade de amar genuinamente. 

Com base em uma análise detalhada dos comportamentos, origens e impactos dessa dinâmica, a autora oferece um olhar psicológico que transcende os aspectos superficiais das relações afetivas, investigando os fatores inconscientes que moldam o desejo de afeto e conexão. 

Este texto sintetiza as ideias centrais da autora, destacando as manifestações do amor neurótico, suas origens e possíveis intervenções terapêuticas.

A Dra. Horney define a necessidade neurótica de amor, como uma neurose de caráter, portanto começa nos primeiros anos de vida e abrange mais ou menos a personalidade total da pessoa. 

O que é amar?
Entenda-se amor, como a capacidade de uma pessoa se dar espontaneamente a alguém, a uma causa ou a uma ideia, em vez de guardar tudo para si de forma egocêntrica.

Quando o amar vira neurose
A neurose é o aumento que a pessoa tem de ser amada, estimada e reconhecida, ajudada, aconselhada e sustentada, assim como o exagero da sua sensibilidade diante da frustração de tudo isso. 

O amar e ser amado neurótico
No neurótico, essa necessidade de ser amado é exagerada. 

Enquanto para a pessoa saudável é importante ser amada, honrada e respeitada por aqueles de quem ela gosta ou depende, a necessidade do neurótico é compulsiva e indiscriminada.

Características centrais do amar neurótico
Entre as características de pessoas com esse tipo de neurose, nota-se que: a pessoa aceita sacrificar-se para conquistar a aceitação do analista e é muito sensível a tudo que possa desagradar a ele.

Outra manifestação conhecida é a supervalorização do amor. 

Mulheres neuróticas que se sentem infelizes, inseguras, deprimidas se não tiverem alguém que se dedique a elas amando-as, de alguma forma, cuidando delas.

Existe também daquelas que o desejo de casar-se se tornou compulsivo, ainda que sejam incapazes de amar e que suas relações com os homens sejam notoriamente pobres.

Outras características são: 
1. Ciúme exagerado, não baseado em fatores racionais, mas insaciável e que exige exclusividade no amor.

2. Necessidade de amor incondicional. Você deve me amar, não importa o meu comportamento. 

3. Os neuróticos que manifestam maior avidez por coisas materiais sofrem de amargura profunda e desde cedo na vida se convenceram de que o amor não existe. 

4. Eliminação completamente de suas vidas.

5. Extrema sensibilidade à rejeição. Tudo que percebem como rejeição (real ou imaginária) reagem com ódio intenso. 

6. É insaciável. O neurótico não consegue obter amor no grau e na medida de que precisa, por que: essa necessidade é insaciável, nada é bastante.

7. É incapaz de amar de maneira sadia.

8. Medo enorme de ser rejeitada. O medo da rejeição e a atitude hostil quanto a ela fazem com que a pessoa se retraia cada vez mais. 

9. Normalmente confunde amor com sexualidade.

10. Vive de ilusão de ser um grande amante e ter enorme capacidade de se dar.

11. Incapacidade de ter verdadeira consideração pelo outro.

A razão para o neurótico não ter capacidade de amar
A pessoa neurótica não é capaz de amar por causa da angústia e das muitas atitudes hostis que costuma adquirir cedo na vida por ter sido maltratada. Seja devido ao medo ou por causa de hostilidade, é incapaz de se dar, de se entregar. 

Dificilmente leva em conta quanto amor, tempo e ajuda a outra pessoa pode ou deseja dar.

A pessoa ocasionalmente faz alguma coisa pelos outros (talvez por ânsia de poder ou medo de não ser aceito pelos outros se não for útil), reforçando a ilusão de que pode amar e realmente ama demais. 

Não teria fundamento exigir tanto amor dos outros, se a pessoa tivesse consciência de que basicamente não se importa com ninguém.

Fundamentalmente as pessoas defendem-se de seu enorme medo de viver, da sua angústia de viver, da sua angústia básica, fechando-se e, para se sentir seguras, retraindo-se. 

O problema em parte é o medo da dependência. A ideia é: não ceda jamais, não faça nada para ninguém, porque isso significa dependência, sendo perigoso.

Os meios usados pelos que amam neuroticamente
Os principais meios que o neurótico usa na tentativa de ser satisfeito são: chamar a atenção para seu próprio amor, apelar para piedade e fazer ameaças.

A possível origem do amar neurótico
O histórico inicial dessas pessoas mostra que não tiveram bastante amor e carinho de suas mães e que, já na infância, estavam ligadas a elas por compulsividade semelhante. 

Esta necessidade pode ser a manifestação permanente do anseio pelo amor da mãe, que não foi lhe dado livremente no início da vida; ou esta neurose pode ser uma repetição absoluta do apego à mãe.

Outra possibilidade da origem do amor neurótico seja a expressão de traços narcísicos particularmente fortes. Essas pessoas são incapazes de amar os outros. São egocêntricas. 

Uma explicação Freudiana
Outra explicação possível, baseada nas ideias de Freud, é o medo de perder o amor. 

É preciso saber se a necessidade exagerada de amor é um fenômeno libidinal. A Dra. Horney propõe que provavelmente não seja.

Diferença entre amor a si próprio e egocentricidade
Mas a Dra. Horney rebate essa interpretação argumentando que há grande diferença entre o amor a si próprio (narcísico) e a egocentricidade baseada na angústia. 

Os neuróticos não se relacionam bem consigo mesmo, tratam-se como seus piores inimigos e costumam ter total desprezo por si mesmo. 

Precisam ser amados para se sentir toleravelmente seguros e levantar o amor-próprio afetado.

O amor neurótico e a sexualidade
A necessidade de amor se manifesta principalmente, ou até mesmo exclusivamente, na área sexual. 

Para compreender este fenômeno é preciso lembrar que os desejos sexuais não se expressam necessariamente em necessidades sexuais reais, mas que a sexualidade também pode representar o contato com outro ser humano.

A importância dos modelos paternos e maternos nas pessoas que amam neuroticamente
O histórico infantil desses neuróticos com ligação particularmente forte com o pai ou com a mãe sempre mostra um número grande de fatores conhecidos por despertarem angústia nas crianças. 

Fatores que funcionam juntos: a excitação da hostilidade eu se expressa devido às intimidações e à redução de auto-estima coexistentes.

Pode-se dizer, de forma bastante generalizada, que a angústia surge na criança porque ela sente que, se expressar seus impulsos hostis, ameaçaria totalmente a segurança de sua existência. 

Nessa parte, a autora questiona se o Complexo de Édipo é um fenômeno geral ou até onde ele é provocado pela influência de pais também neuróticos.

A angústia básica exagerada, sofrida pelo neurótico, é caracterizada pelo sentimento de impotência num mundo hostil e esmagador.

As defesas contra a angústia
Há várias maneiras de defesa contra esta angústia básica. Em nossa cultura, as mais comuns são as seguintes: 
1) Necessidade neurótica de amor; 
2) A submissão; 
3) A compulsão de poder sucesso e posses; 
4) Afastar-se emocionalmente das pessoas para estar a salvo e independente. Um efeito dessas estratégias é a tentativa de reprimir totalmente estes sentimentos para se tornar invulnerável. 

Outra maneira é o acúmulo compulsivo de bens, que, neste caso, não se subordina à pulsão por poder, mas sim, o desejo de ser independente.

O efeito da terapia nas pessoas que amam neuroticamente
As observações em clínicas indicam claramente que o aumento da necessidade de amor surge quando o paciente é pressionado por algum tipo de angústia e que desaparece quando ele compreende esta relação. 

Se permanecerem no tratamento tempo suficiente, começam a acreditar que a bondade, a amizade e o afeto realmente existem.  

Então seu desejo insaciável por coisas materiais desaparece. Vem à tona o desejo sincero de ser amado, a princípio sutil, depois cada vez mais enérgico.

Há casos em que se pode observar nitidamente a relação entre desejo insaciável de amor e a cobiça em geral.

CONCLUSÃO

O "amor neurótico", segundo Karen Horney, é uma manifestação da angústia básica e de experiências emocionais precoces marcadas por carência e insegurança. Ele não apenas reflete uma necessidade insaciável de afeto, mas também uma incapacidade de estabelecer relações autênticas e saudáveis. 

A autora enfatiza que a transformação desse padrão é possível por meio de uma compreensão mais profunda das dinâmicas internas, promovida pela terapia. 

Ao identificar a relação entre angústia, compulsão afetiva e comportamento, o paciente pode reconstruir sua visão de amor, substituindo a necessidade obsessiva por uma capacidade genuína de se conectar. 

Assim, a obra de Horney não apenas lança luz sobre um problema psicológico significativo, mas também oferece esperança de mudança e crescimento emocional para aqueles que sofrem com essas dificuldades.


FONTES BIBLIOGRÁFICAS

ORNEY, Karen. A personalidade neurótica do nosso tempo. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.


FROMM, Erich. A arte de amar. 25. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1991. 


FREUD, Sigmund. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia ("O caso Schreber"). In: ______. Obras completas. v. 10. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 13-107. 


FERENCZI, Sándor. Diário clínico. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Martins Fontes, 1990. 


GARCIA, Cláudio A. Trauma e narcisismo negativo: questões para a clínica contemporânea. In: CARDOSO, M. R.; GARCIA, C. A. (Org.). Entre o eu e o outro: espaços fronteiriços. Curitiba: Juruá, 2010. p. 45-62


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