INTRODUÇÃO
A relação entre o ser humano e os
animais sempre ocupou um espaço central na mitologia, na cultura e na psique,
manifestando-se por meio de narrativas que exploram transformações físicas ou
espirituais entre humanos e animais.
Zooantropia, theriantropia e
licantropia são conceitos que emergem desse imaginário, abrangendo tanto
fenômenos simbólicos quanto possíveis manifestações clínicas.
Enquanto a theriantropia se
refere genericamente à crença ou identificação com a transformação em qualquer
animal, a zooantropia amplia essa perspectiva para contextos culturais e
psicológicos, e a licantropia se foca especificamente na transformação em lobo.
Essas experiências podem ser
interpretadas sob diferentes prismas, como o mitológico, o psicológico e o
neurocientífico, revelando dimensões profundas da identidade humana, bem como
seus potenciais desafios sociais e clínicos.
ZOOANTROPIA
Etimologia
Também deriva do grego, onde
zōion (ζῷον) significa "animal" e anthrōpos (ἄνθρωπος), "ser
humano".
Definição:
A zooantropia é um conceito mais
amplo que a licantropia, abrangendo a crença ou experiência de transformação
humana em qualquer tipo de animal, não limitada a lobos.
Uso no contexto clínico e
psicológico
Assim como a licantropia, a
zooantropia pode ser usada para descrever transtornos mentais nos quais o
indivíduo acredita ter se transformado em um animal, como um gato, ave ou urso.
Esse fenômeno pode aparecer em
culturas com tradições animistas ou espirituais e em relatos contemporâneos de
distúrbios dissociativos ou psicóticos.
Uso no contexto cultural e
antropológico
A zooantropia está presente em
rituais e mitologias, como em contos africanos de pessoas que se transformam em
leões ou hienas.
THERIANTROPIA
Etimologia:
Deriva do grego antigo thērion
(θηρίον), que significa "animal selvagem" ou "besta", e
anthrōpos (ἄνθρωπος), que significa "ser humano".
Definição
A theriantropia refere-se à
capacidade ou crença de que um ser humano pode se transformar em um animal ou
assumir características de animais.
Este conceito é amplo e inclui
tanto contextos mitológicos quanto antropológicos e psicológicos.
Uso no contexto mitológico e
cultural
A theriantropia aparece em
mitologias de diversas culturas, como na crença de xamãs que se transformam em
animais para realizar rituais.
Exemplos incluem divindades
egípcias como Anúbis (com cabeça de chacal) e a prática xamânica siberiana.
Uso no contexto psicológico
Em contextos modernos, a
theriantropia é usada para descrever experiências em que indivíduos se
identificam como ou acreditam se transformar em animais.
Em comunidades online, os
"therians" se identificam espiritualmente ou psicologicamente com
animais específicos, sem necessariamente crer em transformações físicas.
LICANTROPIA
Etimologia
Vem do grego antigo lykos
(λύκος), "lobo", e anthrōpos (ἄνθρωπος), "ser humano".
Definição
É um subtipo específico de
theriantropia que envolve a crença ou transformação (real ou imaginária) de um
ser humano em um lobo.
Uso no contexto mitológico e
folclórico:
A licantropia é famosa na cultura
ocidental através do mito dos lobisomens, criaturas que se transformam em
lobos, geralmente durante a lua cheia.
Em lendas, a transformação pode
ser voluntária (por rituais ou maldições) ou involuntária (resultado de uma
maldição ou mordida de outro lobisomem).
Uso no contexto médico e
psicológico
Na psiquiatria, a licantropia
clínica é um raro distúrbio psicológico no qual o paciente acredita
sinceramente ter se transformado em um lobo ou exibe comportamentos lupinos.
Este fenômeno é frequentemente
associado a transtornos psicóticos, como esquizofrenia, ou a estados
dissociativos.
Esses conceitos são exemplos de
como as fronteiras entre humano e animal são exploradas em mitos, psicologia e
antropologia, refletindo aspectos profundos da natureza humana, como a relação
com o instinto, a espiritualidade e o imaginário coletivo.
COMO A PSIQUIATRIA,
PSICOLOGIA, PSIQUIATRIA E NEUROCIÊNCIA VEEM ZOOANTROPIA, THERIANTROPIA E
LICANTROPIA
A compreensão de zooantropia, theriantropia
e licantropia varia entre as abordagens da Psiquiatria, Psicologia, Psicanálise
e Neurociência. Cada área traz perspectivas específicas sobre como esses
fenômenos são interpretados, desde aspectos clínicos até simbólicos e
neurobiológicos.
PSIQUIATRIA
Na psiquiatria, essas condições
são analisadas como possíveis manifestações de distúrbios mentais. A ênfase
está nos aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos.
Zooantropia e Theriantropia
São vistas como formas raras de
delírio de transformação (delírios somáticos ou identitários), frequentemente
associadas a transtornos psicóticos, como a esquizofrenia, transtorno
esquizoafetivo ou episódios maníacos severos.
Esses delírios podem envolver a
crença de que o corpo mudou ou está mudando fisicamente para o de um animal, ou
que a identidade da pessoa é essencialmente animal.
É comum que sejam acompanhados
por alucinações visuais, auditivas ou táteis relacionadas.
Licantropia
Classificada como um subtipo
específico de delírio somático, onde o paciente acredita ser ou estar se
transformando em um lobo.
Casos documentados frequentemente
apontam para quadros de esquizofrenia, transtornos afetivos graves ou condições
como epilepsia do lobo temporal.
O tratamento inclui
antipsicóticos, estabilizadores de humor e, em alguns casos, psicoterapia para
abordar a interpretação do delírio.
PSICOLOGIA
A psicologia estuda esses
fenômenos a partir de suas dimensões culturais, simbólicas e emocionais,
investigando como se relacionam com traumas, crenças ou identidade.
Zooantropia e Theriantropia
Podem ser compreendidas como
mecanismos de defesa ou manifestações de estados dissociativos.
A identificação com animais pode
estar ligada a experiências de alienação, desamparo ou necessidade de escapar
de uma realidade percebida como insuportável.
É comum que surjam em contextos
de sofrimento psíquico intenso, como abuso, luto ou isolamento social.
Licantropia
Pode representar uma projeção de
impulsos inconscientes, frequentemente associados a agressividade, libido ou
desejo de poder (relação simbólica com o arquétipo do lobo).
Em contextos culturais, a crença
na transformação em lobos pode ser estudada sob a ótica da psicologia social,
como um fenômeno de conformidade a mitos locais ou crenças religiosas.
PSICANÁLISE
A Psicanálise enxerga essas
manifestações como símbolos de conflitos inconscientes, trabalhando com a
interpretação dos significados latentes por trás dessas experiências.
Para a psicanálise, a
identificação com animais pode ser analisada como uma regressão a um estado
primitivo ou arcaico da psique, onde os instintos básicos predominam.
A transformação em animal pode
simbolizar uma tentativa de retornar a um estado de "não eu",
escapando da angústia da subjetividade humana e das pressões do superego.
Freud poderia associar essas
manifestações ao conceito de retorno do reprimido, em que conteúdos
inconscientes relacionados a instintos primitivos emergem de forma simbólica.
Licantropia
Especificamente, o arquétipo do
lobo pode ser interpretado como uma representação dos impulsos destrutivos e
sexuais, conectados à sombra (segundo Jung) ou ao id (segundo Freud).
No contexto da licantropia, o
delírio pode ser uma tentativa do ego de lidar com sentimentos reprimidos de
culpa, agressividade ou sexualidade, materializando-os como uma transformação
externa.
Neurociência
A neurociência explora os
correlatos cerebrais e neurobiológicos desses fenômenos, analisando os
circuitos envolvidos em alterações perceptuais e identitárias.
Zooantropia e Theriantropia
Podem estar relacionadas à
disfunção nos circuitos que governam a autopercepção e a consciência corporal.
Áreas como o córtex parietal e o
córtex pré-frontal desempenham papéis cruciais na construção da sensação de
identidade corporal.
Estudos com neuroimagem funcional
sugerem que distúrbios na rede de integração multissensorial (que combina
sinais visuais, táteis e proprioceptivos) podem contribuir para delírios
somáticos de transformação.
Licantropia:
Há evidências de que pacientes
com licantropia apresentam anormalidades na atividade do lobo temporal, uma
região envolvida na percepção do self e da realidade.
Em casos relacionados à
epilepsia, crises no lobo temporal podem induzir experiências intensamente
vívidas e visões delirantes, incluindo a sensação de transformação em um
animal.
Essas manifestações são vistas,
ao mesmo tempo, como patologias, simbolismos e desafios à compreensão do que
significa ser humano.
A abordagem ideal é
interdisciplinar, integrando aspectos culturais, emocionais e biológicos.
AS IMPLICAÇÕES PSÍQUICAS E
SOCIAIS QUE SE IDENTIFICAM COM ZOOANTROPIA, THERIANTROPIA E LICANTROPIA
As implicações psíquicas e
sociais de pessoas que alegam se identificar com zooantropia, theriantropia, e licantropia
e dependem de diversos fatores, como o contexto cultural, a profundidade dessa
identificação e o impacto sobre o funcionamento pessoal e social.
Essas manifestações podem trazer
desafios emocionais, psicológicos e de interação social, mas também podem
funcionar como formas de expressão ou busca de significado.
IMPLICAÇÕES PSÍQUICAS
As implicações psíquicas estão
relacionadas aos efeitos internos que essa identificação tem sobre a pessoa,
considerando seu bem-estar emocional, identidade e saúde mental.
Construção e Crise de
Identidade
A identificação com um animal
pode surgir como uma tentativa de afirmação de identidade em contextos onde o
indivíduo sente dificuldade em se reconhecer como parte de um grupo ou de sua
própria realidade.
Pode refletir crises
existenciais, em que a identificação com o animal serve como um símbolo de
instintos reprimidos ou um desejo de escapar da humanidade percebida como
opressora ou desconfortável.
Estratégias de Enfrentamento
Psíquico
Em alguns casos, essas
experiências podem ser uma forma de lidar com traumas ou situações de estresse
extremo, permitindo ao indivíduo um "refúgio" psíquico em uma
identidade alternativa menos vulnerável.
A dissociação ou a sensação de
ser "outro" podem ser sintomas de transtornos dissociativos ou de
traumas de infância, como abuso ou negligência.
Potencial Psicopatológico
Quando a identificação se torna
intensa e impacta negativamente o funcionamento diário, pode estar associada a
condições como:
ü
Esquizofrenia (delírios e alucinações envolvendo
transformação);
ü
Transtorno de identidade dissociativa
(identidade fragmentada, com personas animalizadas);
ü
Transtornos de ansiedade ou depressão, onde a
identificação com o animal é uma expressão de sentimentos de desamparo,
inadequação ou isolamento.
Sentido Positivo
Para algumas pessoas,
identificar-se com um animal pode ser uma expressão criativa ou espiritual.
Em comunidades como as de
"therians", isso é visto como parte de uma jornada de
autoconhecimento e integração emocional.
IMPLICAÇÕES SOCIAIS
As implicações sociais referem-se
ao impacto dessa identificação sobre as relações interpessoais e a posição do
indivíduo na sociedade.
Estigma e Marginalização
A identificação com animais pode
levar ao estigma social, especialmente em culturas que valorizam a
racionalidade e desconsideram expressões consideradas "não
convencionais".
Pessoas que alegam essas
identificações frequentemente enfrentam discriminação, ridicularização ou
exclusão social, o que pode aumentar sentimentos de solidão e alienação.
Comunidades de Apoio
O surgimento de comunidades
online, como os therians, proporciona um espaço para troca de experiências e
validação da identidade, promovendo apoio emocional e senso de pertencimento.
Essas comunidades permitem que as
pessoas expressem sua identificação sem medo de julgamento, o que pode ser
psicologicamente benéfico.
Conflito Familiar e Relacional
Pode haver conflitos familiares
ou interpessoais se parentes ou amigos interpretarem essa identificação como
algo perturbador ou irracional.
Em contextos conservadores ou
religiosos, a identificação pode ser percebida como um desvio moral ou
espiritual, gerando tensões adicionais.
Impacto no Ambiente
Profissional
Se a identificação com um animal
é abertamente discutida ou manifestada no ambiente de trabalho, pode causar
preconceito ou discriminação no local, afetando as oportunidades de emprego e
as relações com colegas.
Integração Cultural
Em algumas culturas ou
subculturas, essa identificação pode ser aceita e até mesmo valorizada.
Por exemplo:
Perspectiva espiritual ou
religiosa:
Em culturas com tradições
animistas ou xamânicas, identificar-se com animais é considerado um dom
espiritual.
Movimentos alternativos:
Subculturas modernas, como o
movimento furry ou therian, normalizam essas identidades como parte de uma
expressão diversificada da experiência humana.
As implicações de zooantropia,
theriantropia e licantropia e variam amplamente e dependem do contexto
psicológico, cultural e social.
Esses fenômenos podem ser
adaptativos, ajudando o indivíduo a encontrar significado, expressão e
pertencimento, ou em alguns casos, desadaptativos, quando levam ao sofrimento
psíquico, isolamento social ou dificuldades no funcionamento diário.
A abordagem ideal deve respeitar
as experiências individuais, promovendo uma compreensão integrada que leve em
conta os aspectos simbólicos, psicológicos e sociais dessa identificação.
ABORDAGENS CLÍNICAS E
TERAPÊUTICAS EM CASOS DE HAVER SOFRIMENTO OU PREJUÍZOS PARA QUEM SE QUEIXA DE ZOOANTROPIA,
OU THERIANTROPIA, OU LICANTROPIA
Quando essas identificações
causam sofrimento psíquico ou conflitos sociais, podem ser abordadas em
contextos terapêuticos:
Terapia Psicodinâmica ou
Psicanálise
Explora os significados
inconscientes da identificação com o animal, relacionando-os a traumas, desejos
reprimidos ou aspectos sombrios da personalidade.
Terapia
Cognitivo-Comportamental (TCC)
Trabalha com a reestruturação de
crenças disfuncionais ou distorcidas relacionadas à identidade animal.
Ajuda o indivíduo a encontrar
formas adaptativas de lidar com o estigma social.
Apoio Grupal
Participação em grupos de apoio
(online ou presenciais) pode proporcionar validação e um espaço seguro para
expressar e discutir experiências.
Intervenções Psiquiátricas
Nos casos em que a identificação
está associada a delírios ou transtornos graves, o uso de antipsicóticos,
estabilizadores de humor ou outras medicações pode ser necessário.
A abordagem ideal deve respeitar
as experiências individuais, promovendo uma compreensão integrada que leve em
conta os aspectos simbólicos, psicológicos e sociais dessa identificação.
A ZOOANTROPIA, THERIANTROPIA E
LICANTROPIA SÃO TRANSTORNOS MENTAIS?
Como fenômenos clínicos, a
zooantropia, a theriantropia e a licantropia podem ser classificados como
manifestações de transtornos mentais sob certas circunstâncias.
No entanto, elas não são
condições específicas ou diagnósticos formais no CID-11 (Classificação
Internacional de Doenças, 11ª edição) nem no DSM-5 (Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição).
Quando aparecem, geralmente são
descritas dentro de categorias diagnósticas mais amplas.
A ZOOANTROPIA, THERIANTROPIA E
LICANTROPIA E CLASSIFICAÇÃO QUE RECEBEM NO CID-11 E O DSM-5
CLASSIFICAÇÃO NO CID-11
No CID-11, essas manifestações
podem ser compreendidas dentro das seguintes categorias:
Transtornos psicóticos
(6A20-6A2Z)
Quando a pessoa acredita estar se
transformando fisicamente em um animal (como na licantropia clínica) ou se
identifica de maneira delirante com um animal, pode ser classificada como parte
de um transtorno psicótico, como:
Esquizofrenia (6A20)
Delírios bizarros de
transformação em animal podem ocorrer como parte de um quadro esquizofrênico.
Transtorno delirante
persistente (6A24)
Identificação com um animal pode
ser parte de um delírio fixo e não compartilhado.
Transtornos dissociativos
(6B40-6B4Z)
Experiências de transformação em
animal ou identificação com animais podem ser vistas como parte de um
transtorno dissociativo, especialmente se ocorrerem após trauma ou estresse
significativo, aqui temos:
Transtorno dissociativo de
identidade (6B64)
Se a pessoa apresenta estados
dissociativos que incluem uma "identidade animal".
Transtorno de
despersonalização/derealização (6B66)
Sensações de desconexão com o
corpo humano podem levar a experiências simbólicas ou alucinatórias de
"ser outro" (neste caso, um animal).
Transtornos de crenças
culturais específicas
Em algumas culturas, a crença em
transformação animal pode ser classificada como um transtorno culturalmente
influenciado.
No entanto, esses casos
geralmente não são vistos como patológicos dentro do contexto cultural em que
ocorrem.
CLASSIFICAÇÃO NO DSM-5
No DSM-5, as manifestações de
zooantropia, theriantropia e licantropia também não são descritas como
diagnósticos autônomos.
Elas se enquadram em categorias
mais amplas, dependendo do contexto clínico, a saber:
Esquizofrenia e outros transtornos
psicóticos (F20-29 no CID-10 correspondente)
Delírios de transformação ou
crenças firmes de ser um animal podem ser parte de:
Esquizofrenia (Critérios A)
Delírios, alucinações e comportamentos
desorganizados.
Transtorno delirante
Se a crença não é acompanhada de outros
sintomas psicóticos significativos.
Transtornos dissociativos
Como no CID-11, essas
experiências podem ser entendidas como sintomas de dissociação, a saber:
Transtorno dissociativo de
identidade (TDI)
A "personalidade animal" pode ser
uma das identidades dissociativas.
Transtorno de
despersonalização/derealização
A sensação de transformação pode
surgir como uma forma de despersonalização extrema.
Transtorno de personalidade ou
transtornos somatoformes
Se a identificação com animais
surge como parte de um padrão duradouro de comportamento, pode estar associada
a transtornos de personalidade ou somatoformes, a saber:
Transtorno de personalidade
esquizotípica
Inclui crenças ou percepções incomuns que
podem incluir uma identificação com animais.
Transtorno somático com
sintomas somáticos:
Se a pessoa sente fisicamente que
está se transformando.
Transtornos culturais ou
religiosos
No DSM-5, existe um
reconhecimento de que crenças de transformação animal podem ser normativas em
certas culturas ou sistemas religiosos e, nesses casos, não são classificadas
como patológicas.
Diferenciação entre
Normalidade e Patologia
Nem todas as pessoas que alegam
se identificar com zooantropia, theriantropia e licantropia ou devem ser vistas
como portadoras de transtornos mentais.
A classificação como um
transtorno depende de três critérios principais, a saber:
Sofrimento significativo
A experiência causa sofrimento
emocional ou psicológico à pessoa.
Prejuízo funcional
A crença ou comportamento
interfere significativamente no funcionamento social, ocupacional ou pessoal.
Fora do contexto cultural
As crenças ou experiências são
consideradas anormais no contexto cultural da pessoa.
Exemplos Clínicos
Caso 1: Zooantropia
dissociativa
Após um trauma, um indivíduo
relata "sentir-se um gato" como forma de lidar com o estresse. Pode
ser classificado como transtorno dissociativo de identidade.
Caso 2: Theriantropia
culturalmente aceita
Em uma comunidade animista, um
xamã que afirma se transformar em um animal durante rituais. Essa crença,
dentro do contexto cultural, não seria considerada patológica.
Caso 3: Licantropia clínica
Um paciente acredita firmemente
que é um lobo e age como tal, uivando e evitando interações humanas. Isso pode
ser classificado como parte de um transtorno psicótico (esquizofrenia ou
transtorno delirante).
Em uma comunidade animista, um
xamã afirma que se transformar em um animal durante os rituais. Essa crença,
dentro do contexto cultural, não seria considerada patológica.
Embora zooantropia, theriantropia
e licantropia não sejam diagnósticos formais, elas podem ser manifestações de
outros transtornos mentais, dependendo do contexto.
O CID-11 e o DSM-5 classificam
esses fenômenos sob categorias mais amplas, como transtornos psicóticos,
dissociativos ou delirantes, considerando o impacto funcional e cultural para
determinar sua relevância clínica.
CONCLUSÃO
Os fenômenos de zooantropia,
theriantropia e licantropia representam mais do que simples curiosidades
culturais ou clínicas; eles oferecem uma janela para a complexidade da psique
humana e sua interação com o ambiente sociocultural.
Em um nível simbólico, essas
experiências podem revelar desejos, medos e conflitos internos, conectados ao
inconsciente e às narrativas mitológicas compartilhadas.
Em um contexto clínico, elas
podem indicar estados de sofrimento psíquico que demandam compreensão empática
e abordagem interdisciplinar.
Reconhecer as nuances dessas
manifestações, sem reduzi-las a patologias ou superstições, é essencial para
compreender como o ser humano lida com sua animalidade e sua subjetividade,
muitas vezes em busca de significado em um mundo de constante transformação.
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PAIVA, Júnior. Lobisomem Existe!
Um Livro-Reportagem, Nada de Ficção. São Paulo: Independente, 2013.
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