sábado, 3 de maio de 2025

A INFLUÊNCIA DA PSICOTERAPIA NA NEUROPLASTICIDADE: DIÁLOGO ENTRE SUBJETIVIDADE E MATÉRIA

 

INTRODUÇÃO

A relação entre mente e cérebro tem sido, desde a Antiguidade, objeto de interrogações filosóficas e científicas.

Com os avanços das neurociências, sobretudo nas últimas décadas, consolidou-se o conceito de neuroplasticidade — a capacidade do cérebro de modificar sua estrutura e seu funcionamento em resposta a experiências, estímulos e aprendizagens.

Neste contexto, a psicoterapia emerge não apenas como uma prática discursiva ou simbólica, mas como um instrumento potente de transformação neurobiológica.

O presente texto tem como objetivo analisar, de maneira detalhada, a influência da psicoterapia na neuroplasticidade, articulando evidências empíricas, fundamentos teóricos e implicações clínicas à luz de uma visão integrada do ser humano.

1. NEUROPLASTICIDADE: FUNDAMENTO BIOLÓGICO DA MUDANÇA PSÍQUICA

A Neuroplasticidade refere-se à capacidade do sistema nervoso de adaptar-se a novas experiências por meio da criação, fortalecimento ou reorganização de conexões sinápticas.

Ainda que seja mais intensa durante o desenvolvimento infantil, essa plasticidade persiste ao longo da vida, inclusive na vida adulta e na velhice.

Tal princípio refuta a concepção determinista de um cérebro fixo ao demonstrar que as experiências emocionais, cognitivas e relacionais moldam a estrutura cerebral de maneira contínua (KOLB; WHISHAW, 2009). Essa descoberta sustenta a hipótese de que a escuta terapêutica pode atuar como um estímulo eficaz à reorganização do funcionamento cerebral.

2. A PSICOTERAPIA COMO ESTÍMULO PARA A REORGANIZAÇÃO CEREBRAL

A psicoterapia, seja de base cognitiva, psicodinâmica, fenomenológica ou integrativa, constitui-se como um campo privilegiado de aprendizagem emocional e relacional.

Diversos estudos utilizando neuroimagem funcional (fMRI, PET, EEG) demonstram que a psicoterapia é capaz de alterar circuitos neurais relacionados à regulação emocional, controle da ansiedade, elaboração da memória e organização do self.

2.1 Modificações Funcionais e Estruturais

Intervenções psicoterapêuticas bem conduzidas podem reduzir a hiperatividade da amígdala — estrutura cerebral relacionada ao medo e à ansiedade — e aumentar a conectividade entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico, favorecendo maior autorregulação emocional (BREWER et al., 2011).

Isso demonstra que o exercício da fala reflexiva e o insight emocional operam como mecanismos de reprogramação do funcionamento cerebral, promovendo estados mentais mais equilibrados e adaptativos.

2.2 A PSICOTERAPIA PSICODINÂMICA E A RECONFIGURAÇÃO DA NARRATIVA DO SELF

A psicoterapia de orientação psicanalítica atua sobre a reconstrução da narrativa subjetiva.

Por meio do processo de rememoração, simbolização e elaboração dos afetos, o paciente ressignifica suas vivências, o que resulta em modificações em áreas cerebrais como o hipocampo e o córtex cingulado.

Isso sugere que a fala que cura não atua apenas no plano simbólico, mas incide diretamente sobre os circuitos neuronais da memória autobiográfica e da consciência de si (SOLMS; TURNBULL, 2002).

3. MECANISMOS NEUROBIOLÓGICOS ATIVADOS PELA PSICOTERAPIA

Do ponto de vista molecular e celular, a psicoterapia induz diversas alterações neurobiológicas. Estudos mostram que intervenções eficazes modulam a expressão de genes relacionados ao estresse, como os que regulam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (DUMAN; MONTEGGIA, 2006).

 Além disso, observa-se o aumento de neurotrofinas como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), essencial para a neurogênese, sinaptogênese e plasticidade sináptica.

O aumento da LTP (potencialização de longo prazo), mecanismo responsável pela consolidação da memória e aprendizado, também está implicado nos efeitos terapêuticos.

Assim, o vínculo emocional com o terapeuta, aliado ao exercício reflexivo e simbólico, transforma-se em gatilho para processos neurobiológicos de reorganização do funcionamento psíquico.

4. IMPLICAÇÕES CLÍNICAS: DO SINTOMA À REESTRUTURAÇÃO NEURONAL

As descobertas sobre a relação entre psicoterapia e neuroplasticidade têm profundo impacto na prática clínica. No tratamento de transtornos como depressão, ansiedade e traumas psíquicos, a psicoterapia produz efeitos mensuráveis tanto nos sintomas quanto na atividade cerebral.

Em casos mais complexos, como os transtornos de personalidade, observa-se uma reestruturação mais lenta, porém possível, de circuitos cerebrais associados à autoimagem, impulsividade e mentalização. Essas evidências consolidam a psicoterapia como uma intervenção estruturante e duradoura, capaz de oferecer ao sujeito novos caminhos de existência e novos modos de experimentar a realidade.

CONCLUSÃO

A psicoterapia não é apenas um espaço de escuta e expressão emocional; é uma experiência relacional e cognitiva suficientemente intensa para reconfigurar o próprio funcionamento cerebral.

Ao estimular a neuroplasticidade, ela transforma circuitos rígidos, reprograma respostas emocionais desadaptadas e promove a emergência de novas formas de ser.

Com base nos achados das neurociências, pode-se afirmar que a psicoterapia realiza uma verdadeira alquimia entre a subjetividade e a biologia, entre o simbólico e o concreto.

Tal constatação exige do profissional de saúde mental não apenas técnica e escuta, mas a consciência de que cada palavra escutada e cada silêncio acolhido podem ter ressonâncias nas entranhas do sistema nervoso do paciente. Assim, curar pelo discurso é, também, tocar o cérebro com palavras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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