segunda-feira, 12 de maio de 2025

O CÓRTEX DO CÍNGULO ANTERIOR: UMA INTERFACE ENTRE EMOÇÃO, COGNIÇÃO E PSICOTERAPIA


INTRODUÇÃO

O córtex do cíngulo anterior (CCA) tem sido objeto de atenção crescente na neurociência e na psicologia clínica contemporâneas. 

Esta região cerebral, situada na parte medial dos hemisférios cerebrais, destaca-se por sua função integradora entre processos cognitivos e afetivos.

Ao conectar estruturas envolvidas com o controle executivo, a memória emocional e a tomada de decisões, o CCA atua como uma ponte funcional entre o mundo interno e as exigências do ambiente externo.

Dada sua plasticidade e sensibilidade às experiências emocionais, torna-se um ponto de interesse na compreensão da dor, do luto e da eficácia das intervenções psicoterápicas.

DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

O córtex do cíngulo anterior é uma sub-região do córtex cingulado, responsável pela intermediação entre funções emocionais, cognitivas e comportamentais. Ele exerce um papel determinante na resposta aos estímulos sociais, no gerenciamento da atenção, na regulação emocional e na modulação da dor, sendo considerado uma estrutura chave no circuito límbico.

Conforme destacam estudos neurocientíficos, essa região é ativada tanto por estímulos positivos quanto negativos, participando do julgamento da valência emocional das experiências vividas (VOGT, 2016).

LOCALIZAÇÃO ANATÔMICA

O CCA abrange principalmente as áreas de Brodmann 24, 25, 32 e 33. Ele se organiza em sub-regiões com funções distintas:

Perigenual (pACC):

Voltado ao processamento emocional e à regulação autonômica e endócrina;

Dorsal (dACC):

Envolvido no controle cognitivo, particularmente na tomada de decisões e detecção de erros;

Áreas motoras do cíngulo (CMA):

Responsáveis por traduzir estados emocionais em respostas motoras adaptativas.

Anatomicamente, o CCA se conecta com o córtex pré-frontal, a amígdala, o hipocampo, e outras áreas subcorticais por meio do feixe de substância branca denominado cíngulo, que constitui uma via crítica para a integração entre emoção, memória e comportamento (VOGT; GABRIEL, 2003).

FISIOLOGIA

A atividade eletrofisiológica do CCA demonstra uma participação ativa em múltiplos domínios funcionais:

ü  Aproximadamente 25% dos neurônios do CCA codificam expectativas de recompensa;

ü  Outros 25% codificam intenções motoras;

ü  E cerca de 11% realizam ambas as funções simultaneamente (KENNERLEY et al., 2006).

Esses dados ilustram o papel do CCA como um centro de convergência entre motivação, ação e consequência, regulando a adaptação comportamental com base na experiência prévia e nas contingências futuras.

PRINCIPAIS FUNÇÃO E FUNÇÕES GERAIS

Uma das principais funções do giro cingulado é a regulação das emoções, sendo responsável por processar informações relacionadas a sentimentos, como a resposta ao medo, tristeza e estresse.

Além disso, ele também está envolvido na regulação da empatia e da tomada de decisões.

Em relação às funções cognitivas, o giro cingulado está associado à atenção, memória de trabalho e controle motor. Ele desempenha um papel importante na capacidade de direcionar a atenção para tarefas específicas, manter informações relevantes na memória de curto prazo e coordenar movimentos do corpo.

Os giros cerebrais, incluindo o giro cingulado, são essenciais para o funcionamento adequado do cérebro e influenciam diretamente nossas capacidades cognitivas e emocionais 

Portanto, é fundamental compreender a anatomia e as funções dessas estruturas para entender melhor o funcionamento do nosso cérebro e como ele afeta nosso comportamento. 

O CCA participa da:

ü  Alocação de atenção;

ü  Detecção de conflito cognitivo;

ü  Monitoramento de desempenho e erro;

ü  Regulação da motivação social;

ü  Tomada de decisão sob condições de incerteza.

Na cognição social, por exemplo, o CCA é ativado quando se avalia a motivação ou intenção de outras pessoas, sendo assim uma estrutura essencial para a empatia e a interação interpessoal (LOCKWOOD et al., 2015).

REGULAÇÃO EMOCIONAL, DA DOR E DO LUTO

O CCA é uma das principais estruturas responsáveis pela regulação das emoções. Ele integra informações emocionais vindas do córtex orbitofrontal e da amígdala, sendo capaz de modular respostas viscerais frente a experiências internas.

Sua função na dor é notável, tanto na percepção sensorial quanto na resposta afetiva. Pacientes com disfunções nessa área apresentam maior sensibilidade à dor crônica e alterações no limiar emocional.

Em relação ao luto, há evidências de que o CCA subgenual (área 25) esteja hiperativo em estados de sofrimento prolongado, como na depressão maior associada à perda (MAYBERG et al., 2005).

UTILIDADE NA PSICOTERAPIA

A relevância clínica do CCA é expressiva:

Preditor de Resposta Terapêutica: Atividades basais no CCA subgenual podem prever melhor resposta à Terapia Cognitivo-Comportamental em pacientes com depressão e transtornos ansiosos (FREEDMAN et al., 2021).

Alvo de Intervenções:

Técnicas como mindfulness, neurofeedback e reestruturação cognitiva podem ativar e modular o CCA, promovendo autorregulação emocional.

Neurocirurgia Funcional:

Em casos de transtornos graves e refratários, como o transtorno obsessivo-compulsivo resistente, realiza-se a cingulotomia, uma intervenção que lesiona áreas do CCA para atenuar sintomas.

Dessa forma, o CCA se configura como um importante biomarcador de sofrimento psíquico e um alvo potencial para abordagens terapêuticas personalizadas 

CONCLUSÃO

O córtex do cíngulo anterior constitui uma estrutura neurofuncional central para o entendimento da complexa interação entre emoção, cognição e comportamento.

A participação do córtex do cíngulo anterior em processos como regulação emocional, dor, luto e resposta à psicoterapia o coloca como uma peça-chave tanto na pesquisa neurocientífica quanto na prática clínica.

Conhecê-lo em profundidade oferece ao profissional de saúde mental subsídios para intervenções mais eficazes e humanizadas, reconhecendo o papel da neurobiologia na construção subjetiva da experiência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KENNERLEY, S. W. et al. Optimal decision making and the anterior cingulate cortex. Nature Neuroscience, 2006.

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MAYBERG, H. S. et al. Deep brain stimulation for treatment-resistant depression. Neuron, v. 45, n. 5, 2005. 

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SINGER, T.; LAMM, C. As bases neurais da empatia. In: LENT, R. (Org.). Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. p. 485–502.

SPITZ, R. A. O primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico do desenvolvimento normal e anormal. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

VOGT, B. A. Cingulate Cortex in the Three Limbic Subdivisions. In: The Human Nervous System. 3. ed. Elsevier, 2016.

VOGT, B. A.; GABRIEL, M. Neurobiology of Cingulate Cortex and Limbic Thalamus: A Comprehensive Handbook. Springer, 2003.

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