terça-feira, 11 de março de 2025

ENGRAMA NEURAL: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS, BASES CIENTÍFICAS E APLICAÇÕES NA PSICOTERAPIA


INTRODUÇÃO

O estudo da memória e dos processos de aprendizagem tem sido central na neurociência e na psicologia.

Um conceito fundamental nesse campo é o engrama neural, que se refere às alterações físicas no cérebro associadas ao armazenamento de memórias.

 

O engrama neural é um conceito que se refere às representações físicas e químicas de uma memória no cérebro.

 

Em outras palavras, é a marca deixada no sistema nervoso quando uma informação é aprendida e armazenada. Essas marcas podem envolver mudanças em sinapses, padrões de atividade neural e modificações na estrutura dos neurônios.

 

Compreender os engramas neurais é essencial para desvendar os mecanismos da memória e aprimorar abordagens terapêuticas na psicoterapia.

 

CONCEITO DE ENGRAMA NEURAL


O termo "engrama" foi introduzido pelo biólogo alemão Richard Semon no início do século XX, descrevendo-o como uma marca física deixada no sistema nervoso por uma experiência.

 

Na neurociência moderna, um engrama é entendido como a representação física de uma memória no cérebro, envolvendo alterações nas conexões sinápticas e na atividade neural. Essas alterações permitem que experiências passadas sejam armazenadas e posteriormente recuperadas.

AS CÉLULAS ENGRAMA – PROCESSO DE AÇÃO

Os engramas são como redes multiescala de neurônios, onde uma experiência é armazenada como uma memória potencialmente recuperável. Isso ocorre quando as células neuronais excitadas no hipocampo ou amígdala, são recrutadas para um conjunto-local.

Os conjuntos combinam-se com outros em regiões como o córtex, uma estrutura conhecida como ‘complexo de engrama’. Este processo denomina-se “plasticidade sináptica” e “formação de coluna dendrítica”.

As memórias são inicialmente armazenadas em um complexo de engrama podendo ser recuperadas por sua reativação que por sua vez também pode persistir silenciosamente mesmo quando não recuperadas naturalmente.

Quando temos uma nova experiência, as células nervosas engramas codificam os detalhes da memória que podem ser reativados quando lembramos.

Mudanças da cromatina, estrutura comprimida que consiste em DNA e histonas, proteínas também na estrutura do DNA, controlam o quão ativos genes específicos estão em determinada célula.

No momento da memória, a cromatina torna-se mais frouxa, permitindo a acessibilidade do DNA. A cromatina é um conjunto de fios (cromossomos) em que cada um é formado por uma longa molécula de DNA associada às moléculas da proteína histona.

AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS ENGRAMAS NEURAIS INCLUEM


Distribuição em Redes Neurais:

Engramas não estão confinados a um único neurônio, mas são distribuídos por redes de neurônios interconectados.

 

Plasticidade Sináptica:

A formação de engramas envolve mudanças na força das sinapses, conhecidas como plasticidade sináptica, que são fundamentais para a consolidação da memória.

 

Ocorrem mudanças na força das conexões entre neurônios, um processo conhecido como potenciação de longo prazo (LTP).

 

Especificidade e Estabilidade:

Embora específicos a determinadas experiências, os engramas podem ser estáveis ao longo do tempo, permitindo a retenção de memórias por períodos prolongados.

 

Atividade Neural Específica:

Conjuntos específicos de neurônios são ativados quando uma memória é evocada.

 

Alterações Estruturais:

A criação de novas conexões sinápticas e até mesmo o crescimento de dendritos e axônios podem estar envolvidos na formação do engrama.

 

Localização:

Diferentes tipos de memória têm engramas distribuídos por diferentes áreas do cérebro, como o hipocampo (memória episódica), o córtex pré-frontal (memória de trabalho) e os gânglios da base (memória procedimental).

 

BASES CIENTÍFICAS E DESCOBERTAS


Pesquisas recentes têm aprofundado a compreensão dos engramas neurais. Estudos utilizando técnicas avançadas, como a optogenética, permitiram a identificação e manipulação de células específicas associadas a memórias particulares.

 

Por exemplo, ao ativar neurônios específicos ligados a uma memória de medo em camundongos, os cientistas conseguiram induzir comportamentos associados a essa memória, mesmo na ausência do estímulo original. Esses achados reforçam a ideia de que memórias são armazenadas em padrões específicos de atividade neural.

 

APLICAÇÃO NA PSICOTERAPIA


A compreensão dos engramas neurais tem implicações significativas para a psicoterapia, especialmente em abordagens voltadas para o tratamento de traumas e transtornos de ansiedade.

 

Terapias como a Terapia de Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares (EMDR) e a Terapia de Exposição buscam modificar engramas associados a memórias traumáticas, promovendo a reconsolidação de memórias de forma menos perturbadora.

 

Além disso, intervenções baseadas em neurofeedback e estimulação cerebral não invasiva têm sido exploradas para influenciar a plasticidade sináptica e, consequentemente, os engramas neurais, visando a melhoria de sintomas em diversos transtornos mentais.

 

A UTILIDADE DO CONHECIMENTO SOBRE ENGRAMA NEURAL NO MANEJO PSICOTERÁPICO E NO DIA A DIA


O conhecimento sobre engramas neurais pode beneficiar tanto profissionais da saúde mental quanto indivíduos em seu cotidiano.

 

Na psicoterapia, compreender como as memórias são armazenadas e podem ser reconsolidadas auxilia na formulação de estratégias terapêuticas mais eficazes, permitindo a ressignificação de experiências traumáticas e a criação de novos padrões cognitivos mais saudáveis.

 

No dia a dia, esse conhecimento pode ser aplicado na melhoria do aprendizado, na formação de hábitos positivos e na gestão emocional.

 

Compreender que memórias podem ser modificadas e reprocessadas ajuda as pessoas a reformular experiências negativas, facilitando o autoconhecimento e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais saudáveis para desafios cotidianos.

 

O FUTURO DA MANIPULAÇÃO DOS ENGRAMAS NEURAIS


À medida que a pesquisa avança, espera-se que a manipulação dos engramas neurais se torne uma ferramenta ainda mais precisa para o tratamento de transtornos psicológicos e neurológicos.

 

Estudos recentes sugerem que será possível apagar ou modificar memórias específicas, oferecendo novas abordagens para o tratamento de traumas, fobias e transtornos de estresse pós-traumático.

 

Além disso, o uso de inteligência artificial e técnicas de estimulação cerebral poderá permitir a reativação seletiva de engramas positivos, ajudando no tratamento de depressão e outros transtornos afetivos.

 

Outra perspectiva promissora envolve a reabilitação cognitiva de pacientes com doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, através do potencial reativação de engramas adormecidos.

 

A combinação de neurotecnologia e terapia genética pode oferecer intervenções personalizadas para restaurar memórias perdidas ou reforçar habilidades cognitivas comprometidas.

 

CONCLUSÃO


Os engramas neurais desempenham um papel central no funcionamento do cérebro, pois representam a base física das memórias, formando as fundações dos processos de aprendizagem, recordação e adaptação comportamental.

A cada nova experiência vivida, o cérebro reconfigura suas conexões neuronais, criando uma rede de memórias interligadas que podem ser acessadas e modificadas ao longo do tempo.

Compreender o mecanismo dos engramas neurais não só ajuda a esclarecer como as memórias são armazenadas e recuperadas, mas também abre portas para tratamentos mais eficazes e personalizados no campo da saúde mental.

O avanço das pesquisas científicas, especialmente com o uso de tecnologias como a optogenética, possibilita agora a identificação precisa de células e circuitos cerebrais responsáveis pela formação e recuperação de memórias específicas.

A nova era de descobertas não apenas amplia o entendimento sobre como o cérebro funciona, mas também fortalece a aplicabilidade dos engramas neurais em diversas terapias psicológicas, como as que tratam de traumas e transtornos de ansiedade.

 A Terapia de Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares (EMDR) e outras abordagens de reconsolidação de memória baseadas na modificação dos engramas oferecem uma forma promissora de tratar memórias perturbadoras, facilitando a reconfiguração de experiências traumáticas e promovendo uma recuperação mais saudável.

Além disso, as possibilidades futuras de manipulação dos engramas, como a modificação de memórias específicas ou a potencial reativação de memórias adormecidas, oferecem novas perspectivas no tratamento de distúrbios neurodegenerativos e psiquiátricos.

Tecnologias emergentes, como a inteligência artificial e estimulação cerebral, têm o potencial de reverter danos causados por condições como o Alzheimer e depressão, trazendo grandes avanços para a reabilitação cognitiva e emocional.

No campo da psicoterapia, o conhecimento aprofundado sobre os engramas pode não só aprimorar intervenções terapêuticas, mas também transformar a forma como lidamos com as memórias no cotidiano.

 

A prática de ressignificar memórias negativas ou de criar novos hábitos com base na reconfiguração neural abre novos caminhos para o autoconhecimento e o desenvolvimento pessoal.

 

Portanto, a pesquisa e manipulação dos engramas neurais não são apenas um avanço acadêmico, mas também uma ferramenta vital para transformar vidas, oferecendo novas possibilidades para a saúde mental e o bem-estar geral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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